Vocês podem ler por aqui no link ou abaixo!
http://www.nimbocg.com.br/vfxsi/
Impressões sobre o VFX Solidarity International
Para aqueles que não sabem, ontem de noite e madrugada de
hoje, sexta feira, rolou uma conferencia internacional online entre vários
artistas proeminentes do nosso mercado para discutir um futuro viável para a
nossa indústria.
Depois de ouvir praticamente todo o diálogo e ouvir a mesma
fala com algumas diferentes palavras eu percebi que nós artistas estamos tão desconectados
do mundo, que a nossa visão de mundo, justiça e trabalho é uma piada para os
donos do dinheiro que, por ventura, tenham ouvido uma meia dúzia de palavras.
Alguns pontos recorrentes que foram defendidos, aplaudidos e
considerados marcos na discussão, não fazem o menor sentido no mundo do
dinheiro. O que se viu ali foi um grupo muito esforçado, de grandes artistas e
com algumas boas ideias, distorcer o mundo e pintar um sistema que não existe e
não tem a menor capacidade de melhora, a não ser que haja um grande colapso do
sistema (coisa que eu acredito que não é impossível de acontecer).
Quais são os pontos mais dissonantes com o mundo que nos
cerca?
1.
Somos artistas e não apertadores de botão. Com
essa frase como estandarte, muitos defenderam a causa e a luta por melhores
condições. Ótimo, realmente somos artistas. Mas esse entendimento acaba aqui,
entre a gente. Para os donos do dinheiro, para as corporações, somos
apertadores de botões que podem ser trocados, podem ser comprados e podem ser
escravizados por livre vontade (artistas que trabalham de graça para filmes de
Hollywood). Infelizmente é verdade, não somos nada, o público não sabe da nossa
existência logo somos fantasmas que permeiam as produções, nada mais.
2.
Precisamos criar um grupo internacional de
defesa do mercado. Mais uma fala discrepante com o mundo em que vivemos. Desde
a Dama de Ferro, na Inglaterra, que destruiu o poder dos sindicados mandando
para fora do país as produções de bens de consumo da Inglaterra. Lá se vão mais
de 30 anos e o modelo foi seguido por todo e qualquer país e empresas que
buscam crescimento de margens. Não está contente? Acha isso pouco? Hoje, 2013
há mais mão de obra escrava no mundo do que havia em 1800. Não acredita?
Quantas marcas de roupa entre 2010 e 2013 foram acusadas de ter fabricas
clandestinas com trabalho escravo de grupos de pessoas de países da America
latina? Quantas fazendas são indiciadas por ano por trabalho escravo? A fábrica
de Iphones na China que tem redes para evitar que os trabalhadores escravos se
suicidem? (Viu? No campo e na cidade, o trabalho escravo é uma realidade
maldita dos nossos tempos). Mais? Certo, esse tópico é realmente cativante.
Quantas vezes você já ouviu que fábricas mudaram de estado, aqui no Brasil, por
incentivos fiscais? A verdade meus caros
é que o lucro é o santo graal de toda empresa que tem sede no planeta terra. E
as empresas e governos vão fazer tudo, qualquer coisa para ter mais e mais
lucro. É assim que as coisas funcionam, é assim que as corporações dominaram os
governos através de lobistas. A indústria de alimentos processados conseguiu
passar no departamento de saúde americano que pizza é... Verdura... E pode
continuar a ser vendido nas escolas. É por isso que um dos maiores pecuaristas
do Brasil, João Magalhães é hoje o presidente da comissão do meio ambiente da Câmara.
Enquanto houver possibilidade de esmagamento social em prol do lucro, as
empresas estarão lá. Governos com poucas ou irrisórias leis trabalhistas vão
abrir (já estão com) as portas abertas para empresas que queiram lucrar. Ainda
não está contente? Pergunte para seus pais ou tios com mais de 50 anos, quantas
vagas de estágio não remunerado eles tiveram? Quantas famílias tinham que,
obrigatoriamente ter o pai e a mãe trabalhando fora de casa para poder prover?
O que um membro da família ganhava hoje se ganha com dois, trabalhando mais e
ganhando menos. As forças sindicais
foram esmagadas junto com uma educação que forma cidadãos e não meros peões de
obra, como hoje em dia. Vocês já pararam pra pensar que a escola te prepara
única e exclusivamente para escolher uma profissão independente da preparação
para uma vida social ativa e politizada? Criamos gerações e gerações de pregos
e parafusos. Mão de obra, rebanho. Só mais um exemplo do nosso mercado, a lei
brasileira diz, NÃO importa se você assinou um contrato como PJ, se você
estiver a mais de três meses na mesma empresa, com horários e cargo
determinados, isso já se configura vinculo empregatício com direito a entrar na
justiça e ser respaldado judicialmente. E aí? Quem vai entrar na justiça atrás
do que É garantido por lei como DIREITO do trabalhador? Quem aqui encerra o
expediente e, caso tenha trabalho extra, ganha por hora extra trabalhada e
bonificação por final de semana? Isso meus amigos é a empresa extorquindo o
trabalhador para lucrar mais em cima do seu trabalho e nós somos tão domesticados
que aceitamos essa condição.
3.
Precisamos fazer o mundo nos conhecer, conhecer
os artistas que fazem a magia dos filmes. Tá, para isso precisaríamos ganhar
milhões, ter vida de playboy, namorar modelos ou cantoras famosas. Ter um
estilo de vida que poucos têm, causar inveja e desejo de afiliação por parte
das pessoas. Precisaríamos ser modelos intangíveis para a massa, precisaríamos
ser pop stars. A fábrica de astros não gera frutos em 99% das áreas
profissionais que nos cercam. As pessoas não querem saber, consumir ou se
espelhar em pessoas como elas. As pessoas querem ser como os astros da novela
ou do cinema. Ninguém vai se importar conosco a não ser que a mídia nos ache
mais atraentes para a capa da revista do que a próxima traição de algum ator com
sua trigésima esposa. É por isso que os dubladores ganham milhões de dólares
para fazer as vozes dos personagens e milhares de artistas ganham migalha. Você
consegue imaginar um animador como garoto propaganda de Xampu?
4.
Manter os aspirantes motivados e apaixonados
pela arte. Pra mim essa é a pegadinha do milênio. Você incute nos artistas uma
fantasia na qual eles precisam fazer arte acima de tudo, do bem estar social,
acima do dinheiro, acima do bem maior da classe. Porque isso é uma pegadinha?
Porque assim, as grandes empresas conseguem aliciar jovens talentos, oferecendo
a oportunidade de trabalhar num estúdio incrível, em um filme maravilhoso e
você vai realizar seu sonho. Porém o que não se fala é que na verdade você será
apenas uma mão de obra escrava num projeto comercial que visa o lucro na casa
de centenas de milhões de dólares. É importante e bem incômodo pensar na
seguinte questão, não somos artistas autorais. Somos artistas comerciais,
vendemos nossa arte ou nossa capacidade de produzir arte por dinheiro. Soa
estranho? Incomodo? Mas é a verdade, e pra falar a verdade, todas as profissões
são assim, você vende seu conhecimento por um certo valor financeiro. É assim
que todas as mãos de obra funcionam no mundo capitalista. Nós não somos
especiais. Precisamos de dinheiro para pagar contas, crescer e lazer. O
problema é que quanto mais jovem, mais aberto a “embarcar em aventuras” estamos
dispostos e com isso acabamos prejudicando todo o mercado, uma vez que não é
difícil você pegar alguém extremamente novo no mercado porém com um talento
incrível. O que o mercado faz? Paga para um rapaz/garota de 20 anos o salário
de um top sênior? Lógico que não, paga o valor de um estágio normal e ainda faz
o artista sentir que está sendo valorizado.
Ok! Esse cenário não está muito bonito não
é mesmo? O que nos resta a não ser a sarjeta, abraçado com uma garrafa de fanta
uva? O que pode mudar nossa estrutura de trabalho, de estilo de vida? São
somente duas opções, em minha opinião.
Primeira, derrubamos o sistema vigente e
criamos uma nova estrutura de sociedade baseada no produtor e não na mais
valia. (Tá, esse é um pouco utópico demais).
Segundo, paralisação imediata. Simples
assim. Larguem o mouse, larguem a caneta. Nossa arma é a nossa profissão, o que
nos compete é algo que é inviável de ser produzido sem um grupo de artistas
envolvidos.
Imagine um mês sem nenhuma produção visual?
Imaginem um mês sem filmagens ou edição, cortes ou montagem. Um mês sem nenhum
comercial ou programa novo, sem nenhum material para rolar nos canais de teve.
Imaginem o pânico das agências, das empresas que gastam milhões por mês com
publicidade. Imagine o mundo da publicidade e do entretenimento parando por um
mês. Do câmera man ao editor de som, sem essa rede de profissionais não há mercado,
não há produção. Nós temos o poder, basta cruzar os braços. Quem tem coragem de
fazer um gesto tão simples como este?
Não precisa nem ser todos os artistas, um punhado maior que a metade já
inviabilizaria a produção no curto prazo.
Mas pode ser que isso nem dê certo, pode
ser que as empresas batam no peito (as grandes mesmo) e mandem todo mundo pra tonga
da mironga do kabulete, como diria Vinícius de Moraes. Pode ser que as empresas
se juntem e mandem tudo para outro país sem leis trabalhistas e destrua o
mercado nacional. Isso pode acontecer também como já aconteceu com mercados
nacionais como o Têxtil ou o automobilístico nos EUA. Alguns milhares de
profissionais não são nada se comparados com as necessidades das empresas e com
a manutenção do Status Quo.
Ou a gente agoniza devagarzinho como peixe em
poça d’água ou lutamos como guerreiros poetas. Vamos perder do mesmo jeito,
como vamos escolher o que fazer com o caminho que leva lá? Como na vida, que
todo mundo sabe que vai morrer, mas não se desespera, vive o que se tem de
tempo, luta pelo que acredita para que, quando a morte vier, pelo menos poder
pensar que tudo valeu a pena.
Pra resumir, tudo isso não é novo, todas essas questões não
pertencem ao mercado de animação somente. Isso é um reflexo do desdobramento da
crise financeira em que o mundo está subjulgado. A mais valia é hoje o ser
onipotente, onipresente e oniciente em toda a cadeia produtiva de todas as
áreas de trabalho. Quanto mais rápido enxergarmos que isso não é sobre o nosso
mercado mas é sobre o sistema em que vivemos, aí sim poderemos começar a pensar
em como resolver a questão que envolve todos os trabalhadores.