sexta-feira, 15 de março de 2013

Impressões sobre o VFX Solidarity International

Fala galera, eu fiz um texto comentando um pouco esse movimento dos artistas do mundo da animação tentando entender o contexto da nossa profissão no mercado atual.
Vocês podem ler por aqui no link ou abaixo!

http://www.nimbocg.com.br/vfxsi/


Impressões sobre o VFX Solidarity International
Para aqueles que não sabem, ontem de noite e madrugada de hoje, sexta feira, rolou uma conferencia internacional online entre vários artistas proeminentes do nosso mercado para discutir um futuro viável para a nossa indústria.
Depois de ouvir praticamente todo o diálogo e ouvir a mesma fala com algumas diferentes palavras eu percebi que nós artistas estamos tão desconectados do mundo, que a nossa visão de mundo, justiça e trabalho é uma piada para os donos do dinheiro que, por ventura, tenham ouvido uma meia dúzia de palavras.
Alguns pontos recorrentes que foram defendidos, aplaudidos e considerados marcos na discussão, não fazem o menor sentido no mundo do dinheiro. O que se viu ali foi um grupo muito esforçado, de grandes artistas e com algumas boas ideias, distorcer o mundo e pintar um sistema que não existe e não tem a menor capacidade de melhora, a não ser que haja um grande colapso do sistema (coisa que eu acredito que não é impossível de acontecer).
Quais são os pontos mais dissonantes com o mundo que nos cerca?
1.       Somos artistas e não apertadores de botão. Com essa frase como estandarte, muitos defenderam a causa e a luta por melhores condições. Ótimo, realmente somos artistas. Mas esse entendimento acaba aqui, entre a gente. Para os donos do dinheiro, para as corporações, somos apertadores de botões que podem ser trocados, podem ser comprados e podem ser escravizados por livre vontade (artistas que trabalham de graça para filmes de Hollywood). Infelizmente é verdade, não somos nada, o público não sabe da nossa existência logo somos fantasmas que permeiam as produções, nada mais.
2.       Precisamos criar um grupo internacional de defesa do mercado. Mais uma fala discrepante com o mundo em que vivemos. Desde a Dama de Ferro, na Inglaterra, que destruiu o poder dos sindicados mandando para fora do país as produções de bens de consumo da Inglaterra. Lá se vão mais de 30 anos e o modelo foi seguido por todo e qualquer país e empresas que buscam crescimento de margens. Não está contente? Acha isso pouco? Hoje, 2013 há mais mão de obra escrava no mundo do que havia em 1800. Não acredita? Quantas marcas de roupa entre 2010 e 2013 foram acusadas de ter fabricas clandestinas com trabalho escravo de grupos de pessoas de países da America latina? Quantas fazendas são indiciadas por ano por trabalho escravo? A fábrica de Iphones na China que tem redes para evitar que os trabalhadores escravos se suicidem? (Viu? No campo e na cidade, o trabalho escravo é uma realidade maldita dos nossos tempos). Mais? Certo, esse tópico é realmente cativante. Quantas vezes você já ouviu que fábricas mudaram de estado, aqui no Brasil, por incentivos fiscais?  A verdade meus caros é que o lucro é o santo graal de toda empresa que tem sede no planeta terra. E as empresas e governos vão fazer tudo, qualquer coisa para ter mais e mais lucro. É assim que as coisas funcionam, é assim que as corporações dominaram os governos através de lobistas. A indústria de alimentos processados conseguiu passar no departamento de saúde americano que pizza é... Verdura... E pode continuar a ser vendido nas escolas. É por isso que um dos maiores pecuaristas do Brasil, João Magalhães é hoje o presidente da comissão do meio ambiente da Câmara. Enquanto houver possibilidade de esmagamento social em prol do lucro, as empresas estarão lá. Governos com poucas ou irrisórias leis trabalhistas vão abrir (já estão com) as portas abertas para empresas que queiram lucrar. Ainda não está contente? Pergunte para seus pais ou tios com mais de 50 anos, quantas vagas de estágio não remunerado eles tiveram? Quantas famílias tinham que, obrigatoriamente ter o pai e a mãe trabalhando fora de casa para poder prover? O que um membro da família ganhava hoje se ganha com dois, trabalhando mais e ganhando menos.  As forças sindicais foram esmagadas junto com uma educação que forma cidadãos e não meros peões de obra, como hoje em dia. Vocês já pararam pra pensar que a escola te prepara única e exclusivamente para escolher uma profissão independente da preparação para uma vida social ativa e politizada? Criamos gerações e gerações de pregos e parafusos. Mão de obra, rebanho. Só mais um exemplo do nosso mercado, a lei brasileira diz, NÃO importa se você assinou um contrato como PJ, se você estiver a mais de três meses na mesma empresa, com horários e cargo determinados, isso já se configura vinculo empregatício com direito a entrar na justiça e ser respaldado judicialmente. E aí? Quem vai entrar na justiça atrás do que É garantido por lei como DIREITO do trabalhador? Quem aqui encerra o expediente e, caso tenha trabalho extra, ganha por hora extra trabalhada e bonificação por final de semana? Isso meus amigos é a empresa extorquindo o trabalhador para lucrar mais em cima do seu trabalho e nós somos tão domesticados que aceitamos essa condição.
3.       Precisamos fazer o mundo nos conhecer, conhecer os artistas que fazem a magia dos filmes. Tá, para isso precisaríamos ganhar milhões, ter vida de playboy, namorar modelos ou cantoras famosas. Ter um estilo de vida que poucos têm, causar inveja e desejo de afiliação por parte das pessoas. Precisaríamos ser modelos intangíveis para a massa, precisaríamos ser pop stars. A fábrica de astros não gera frutos em 99% das áreas profissionais que nos cercam. As pessoas não querem saber, consumir ou se espelhar em pessoas como elas. As pessoas querem ser como os astros da novela ou do cinema. Ninguém vai se importar conosco a não ser que a mídia nos ache mais atraentes para a capa da revista do que a próxima traição de algum ator com sua trigésima esposa. É por isso que os dubladores ganham milhões de dólares para fazer as vozes dos personagens e milhares de artistas ganham migalha. Você consegue imaginar um animador como garoto propaganda de Xampu?
4.       Manter os aspirantes motivados e apaixonados pela arte. Pra mim essa é a pegadinha do milênio. Você incute nos artistas uma fantasia na qual eles precisam fazer arte acima de tudo, do bem estar social, acima do dinheiro, acima do bem maior da classe. Porque isso é uma pegadinha? Porque assim, as grandes empresas conseguem aliciar jovens talentos, oferecendo a oportunidade de trabalhar num estúdio incrível, em um filme maravilhoso e você vai realizar seu sonho. Porém o que não se fala é que na verdade você será apenas uma mão de obra escrava num projeto comercial que visa o lucro na casa de centenas de milhões de dólares. É importante e bem incômodo pensar na seguinte questão, não somos artistas autorais. Somos artistas comerciais, vendemos nossa arte ou nossa capacidade de produzir arte por dinheiro. Soa estranho? Incomodo? Mas é a verdade, e pra falar a verdade, todas as profissões são assim, você vende seu conhecimento por um certo valor financeiro. É assim que todas as mãos de obra funcionam no mundo capitalista. Nós não somos especiais. Precisamos de dinheiro para pagar contas, crescer e lazer. O problema é que quanto mais jovem, mais aberto a “embarcar em aventuras” estamos dispostos e com isso acabamos prejudicando todo o mercado, uma vez que não é difícil você pegar alguém extremamente novo no mercado porém com um talento incrível. O que o mercado faz? Paga para um rapaz/garota de 20 anos o salário de um top sênior? Lógico que não, paga o valor de um estágio normal e ainda faz o artista sentir que está sendo valorizado.

Ok! Esse cenário não está muito bonito não é mesmo? O que nos resta a não ser a sarjeta, abraçado com uma garrafa de fanta uva? O que pode mudar nossa estrutura de trabalho, de estilo de vida? São somente duas opções, em minha opinião.
Primeira, derrubamos o sistema vigente e criamos uma nova estrutura de sociedade baseada no produtor e não na mais valia. (Tá, esse é um pouco utópico demais).
Segundo, paralisação imediata. Simples assim. Larguem o mouse, larguem a caneta. Nossa arma é a nossa profissão, o que nos compete é algo que é inviável de ser produzido sem um grupo de artistas envolvidos.
Imagine um mês sem nenhuma produção visual? Imaginem um mês sem filmagens ou edição, cortes ou montagem. Um mês sem nenhum comercial ou programa novo, sem nenhum material para rolar nos canais de teve. Imaginem o pânico das agências, das empresas que gastam milhões por mês com publicidade. Imagine o mundo da publicidade e do entretenimento parando por um mês. Do câmera man ao editor de som, sem essa rede de profissionais não há mercado, não há produção. Nós temos o poder, basta cruzar os braços. Quem tem coragem de fazer um gesto tão simples como este?  Não precisa nem ser todos os artistas, um punhado maior que a metade já inviabilizaria a produção no curto prazo.
Mas pode ser que isso nem dê certo, pode ser que as empresas batam no peito (as grandes mesmo) e mandem todo mundo pra tonga da mironga do kabulete, como diria Vinícius de Moraes. Pode ser que as empresas se juntem e mandem tudo para outro país sem leis trabalhistas e destrua o mercado nacional. Isso pode acontecer também como já aconteceu com mercados nacionais como o Têxtil ou o automobilístico nos EUA. Alguns milhares de profissionais não são nada se comparados com as necessidades das empresas e com a manutenção do Status Quo.
Ou a gente agoniza devagarzinho como peixe em poça d’água ou lutamos como guerreiros poetas. Vamos perder do mesmo jeito, como vamos escolher o que fazer com o caminho que leva lá? Como na vida, que todo mundo sabe que vai morrer, mas não se desespera, vive o que se tem de tempo, luta pelo que acredita para que, quando a morte vier, pelo menos poder pensar que tudo valeu a pena.
Pra resumir, tudo isso não é novo, todas essas questões não pertencem ao mercado de animação somente. Isso é um reflexo do desdobramento da crise financeira em que o mundo está subjulgado. A mais valia é hoje o ser onipotente, onipresente e oniciente em toda a cadeia produtiva de todas as áreas de trabalho. Quanto mais rápido enxergarmos que isso não é sobre o nosso mercado mas é sobre o sistema em que vivemos, aí sim poderemos começar a pensar em como resolver a questão que envolve todos os trabalhadores.